Tal como a alimentação, os bons hábitos de
sono e a higiene, contribuem de igual modo para o bom desenvolvimento
psicomotor da criança as actividades lúdicas, ou seja, a brincadeira. O tempo
dos pais escasseia à medida que as exigências do mundo do trabalho aumentam. Um
dia em que o pai tenha chatices no emprego e a mãe chegue tão cansada a casa
que se limite a dar de comer aos filhos, dar-lhes banho e enfiá-los na cama é
considerado normal e até rotina. Fica a faltar o estar com a criança, brincar
com ela, trocar experiências perdendo-se assim entre outras coisas fontes de
conhecimento mútuo. Os estudos apontam Portugal como o país da Europa em que os
pais menos brincam com os seus filhos e apenas seis por cento das crianças
portuguesas têm esse privilégio diariamente. A importância de brincar
reflecte-se nas potencialidades e habilidades psicomotoras que os jogos lúdicos
promovem através do exercício da imaginação e promovem o desenvolvimento das
aptidões sociais, motoras, afectivas, cognitivas e da linguagem. Considera-se
fundamental para o desenvolvimento harmonioso do jovem ser, que todos os dias
pais e filhos brinquem juntos pelo menos algum tempo, em que a qualidade e
entrega no mesmo seja a ter mais em conta do que a quantidade. Quando brincam no
bairro ou no parque infantil os mais pequenos experienciam actividades ao ar
livre e em grupo desenvolvendo com autonomia, capacidades lúdicas e sociais. A
criança utiliza o brincar como meio de experimentar o mundo, percebe-lo, conhece-lo,
descobrir como funciona e se desenvolve. É a sua forma de se preparar para dele
fazer parte, ganhando através dessas experiências noções espaciais e sonoras e
adquirindo a liberdade de tentar andar e falar, propiciando assim a natural
evolução da sua locomoção e da fala. Com a aquisição da linguagem começam os
jogos de imitação, as brincadeiras de faz-de-conta, as canções e as
lengalengas, construindo uma base indispensável na futura aprendizagem da
leitura e escrita. As formas de brincar vão-se alterando à medida que a criança
cresce e as suas necessidades psicológicas e sociais a isso exigem. Manusear
objectos, jogar, empilhar e explorar o mundo ainda que de forma primária
refere-se à fase sensório-motora, que diz respeito à etapa inicial do desenvolvimento
cognitivo. A criança precisa de treinar a organização do pensamento, a
simbolização, e exprimir através da brincadeira e dos objectos que dela fazem
parte, as suas necessidades, desejos, medos, experiências e sobretudo o que as
magoa e atormenta. Utilizando a sua primeira forma de comunicação, para brincar
a criança depende inicialmente do adulto para o conseguir fazer. Sobretudo com
a mãe, pessoa mais próxima do bebé, começa por interagir com ela sorrindo e
olhando-a e reagindo aos seus estímulos, demonstrando imediatamente a
necessidade de brincar, mas também com o pai e restantes familiares, a criança
estabelece elos de comunicação através de expressões não verbais, de
manifestações que podem incluir a brincadeira. O atirar ao chão um objecto para
o adulto o apanhar, repetindo-o vezes sem conta é uma estratégia que a criança
encontrou para pôr o outro a brincar consigo. Quando monta e desmonta um
brinquedo está a tentar percebe-lo, entender de que é feito e como é feito. E
todas as vezes que não o consegue voltar a montar, a criança frustra-se e tenta
de novo, vendo-se obrigada a arranjar estratégias novas para resolver o
problema, explorando dessa forma o seu potencial intelectual. Um adulto que
brinque assiduamente com o seu filho, estabelece assim uma forte ligação
afectiva e intimidade com este. Começa a saber o que ele gosta, o que não gosta
tanto, o que o incomoda ou o que o deixa deveras feliz. Quando inquiridas as
crianças respondem que preferem brincar com os pais, fazer com estes actividades
ao ar livre e utilizar brinquedos para ocupar os seus tempos livres, do que ver
televisão ou jogar computador, ao contrário do que se poderia pensar. Estas últimas
actividades surgem como preferidas em crianças que não têm hábitos de
brincadeira com os pais, estando estes por regra, muito ocupados ou despendendo
pouco tempo para com os filhos. Quando um pai ou mãe brinca com o seu filho
está imperativamente a estimulá-lo, a dar-lhe atenção, a transmitir-lhe
confiança, a interagir com ele, integrando-o deste modo no seu universo que é o
mundo real. A aquisição da comunicação e o seu desenvolvimento dependem de
factores como o afectivo, o social e o biológico. Neste ultimo destaca-se o
processo de maturação do sistema nervoso central que é responsável por todo o
desenvolvimento do indivíduo. Esse desenvolvimento influencia a brincadeira da
mesma forma que a brincadeira influência o normal decorrer do desenvolvimento.
Quando isso não acontece e a criança se vê privada de momentos lúdicos e do
brincar, pode ter sérias repercussões tanto no seu estado psicológico, como físico
ou social. O facto de não ter explorado o brincar promove insegurança, medos e
isolamento social, que muitas vezes permanecem ao longo da vida.
Sílvia Silva - Psicologa Clínica
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