Num momento
particularmente difícil das nossas vidas há muitas (ler demasiadas) situações às
quais nos temos que ajustar. O confinamento obrigou-nos a todos a lidar não só
connosco próprios, mas também, de forma continuada e perpetuada com o nosso
núcleo familiar. E não, ninguém estava preparado para isso.
A verdade é que
as relações têm dinâmicas próprias, distintas entre si. Então vejamos: a mesma
pessoa, dependendo do seu interlocutor também varia a sua postura e configuração
em como se relaciona com os outros. Independentemente das opiniões sobre o
certo e o errado, iremos considerar que errado é tudo o que nos prejudica e faz
sofrer (ou aos que nos rodeiam) e que possa ser considerado tóxico. Na mesma
linha de pensamento, correcto é tudo aquilo que não nos magoa e nem nos faz
sentir bem, tanto quanto aos que nos são chegados. Posto isto, importa pensar
que nós “somos nós e as nossas circunstâncias” e que, as decisões que tomamos
na vida são o reflexo dessas circunstâncias. Pensamos a curto, médio e longo
prazo. Temos uma margem de manobra. E agimos, uns mais outros menos, com base
no que antecipamos e projectamos para a nossa vida. Conseguimos, através das
rotinas multitarefas que impomos para o nosso quotidiano, não nos confrontar
constantemente com as mesmas situações ou pessoas. No emprego por exemplo, se
tivermos algo que nos aborreça, sabemos que no final do nosso horário de
trabalho iremos para casa e isso vai-nos desfocar desse aborrecimento e por
ventura, alimentar-nos emocionalmente de maneira a nos reequilibrar e ajudar a
enfrentar o dia seguinte. Familiarmente passa-se algo semelhante, ou seja,
ainda que haja um conflito, o facto de passadas umas horas sairmos daquele
ambiente faz-nos desanuviar e relativizar o problema. Podemos considerar que
termos vários ambientes é como termos vários balões de oxigénio, que nos
permitem respirar, descentrar-nos e perspetivar de um outro angulo. É esta
gestão que permite que nos sintamos preenchidos consoante as nossas
necessidades habituais ou momentâneas. Isto numa situação dita normal, tendo em
conta a anterior realidade que todos tínhamos.Mas isto ninguém esperava, este
vírus que nos transformou a todos em “donos de casa desesperados”. E para além
das sérias implicações e alterações financeiras e sociais, o impacto familiar
foi brutal e veio testar a qualidade das relações. Percebemos que esta situação
afecta de forma mais intensa umas famílias que outras, uns relacionamentos mais
que outros.
Salvam-se os
bons? Terminam os maus?
Não é assim tão
taxativo. Tem sobretudo a ver com o revestimento de cada relação. E forma como
esse revestimento encaixa nestas condições sui generis. Poderemos nós
dizer que um casal que preza o seu espaço individual, que tem actividades
separadas (um vai ao ginásio outro participa em teatro amador), ou gostam de
passar algum tempo com os respectivos amigos, separadamente, seja um casal que
tenha uma má relação ou que, como vimos, se prejudiquem, se façam sofrer ou aos
que os rodeiam? Parece-nos que não. No entanto imaginar este casal em que os
seus elementos são autónomos, e considerar que por terem uma relação
equilibrada e saudável até ao confinamento então (como numa equação de
causa-consequência), este não os abalou, não é correcto. Claro que a qualidade
da relação importa e muito. Serem mais ou menos cúmplices. Serem mais ou menos
amigos e unidos. Mas a verdade é que o tipo de dinâmica a que estavam
habituados terá uma influência considerável na resposta a esta situação tão
difícil como especial.
Outros factores
a ter em conta são as personalidades de cada um e a capacidade de tolerância,
resiliência e imaginação. Estes três ingredientes podem ser comparados a
elásticos ou dito de outro modo, são a plasticidade que cada um de nós tem de
se adaptar a novas situações. Personalidades agressivas, têm por base processos
mentais altamente rígidos em que a dificuldade em aceitar um pensamento ou atitude
distintos do que elas pretendem, promove um conflito interno, que por norma
desemboca numa alteração de comportamento, isto é, num comportamento agressivo.
É por isso que se pensarmos numa pessoa agressiva, que como sabemos tem altos
handicaps ao nível da compreensão e tolerância, numa situação que exige um
ajuste psicológico tão grande como esta do confinamento, não será difícil entender
que se criam condições “bomba-relógio”, agudizados pela falta dos tais balões
de oxigénio.
E por último, é
não menos importante analisar o estado psicológico em que cada um de nós já se
encontrava antes de aparecer este vírus que virou o mundo do avesso. Pessoas
que estavam extremamente cansadas, deprimidas ou frustradas, estavam menos
estáveis e consequentemente menos equilibradas. Uma vez mais a conjugação dos
dados não se pode escamotear. A reação destas pessoas depende se ficaram em
teletrabalho e tinham condições domésticas para isso (espaço suficiente em casa
ou na divisão; partilha de casa com muitas ou poucas pessoas, sendo estas
crianças ou não); se ficaram sem remuneração ou se continuaram a trabalhar e
como encararam esta situação no caso da ultima hipótese.
Todas estas
alterações ao que considerávamos ser a normalidade, têm exigido um esforço que
nunca imaginámos vir a ser necessário. As relações e a qualidade das mesmas são
e serão sempre o nosso porto de abrigo. São elas que nos suportam ou nos
fragilizam, que nos acolhem ou nos debilitam. Tanto as relações com os outros
como a que temos connosco próprios.
Sílvia Silva