segunda-feira, 2 de março de 2020

Para quando ginásios mentais


Nunca houve tanta preocupação com a saúde como nos dias de hoje. Nutricionistas que aconselham dietas do paleolítico, jejuns intermitentes ou retirada de carnes vermelhas e de hidratos de carbono.  Consequentemente os ginásios multiplicam-se e estão sempre cheios.
O que faz as pessoas irem ao ginásio é muito mais que exclusivamente a sua condição física. Escolhe-se o ginásio pelos mais diversos factores: porque o ginásio tem melhores condições; porque se destina a uma elite correspondente à imagem que se quer fazer passar; pelas pessoas que sabemos que o frequentam, principalmente se forem nossos amigos, ou então se desejarmos que venham a sê-lo. Mas acredito que, a par da preocupação pela saúde física, há também o desejo de socializar num ambiente descontraído em que à partida todos se identifiquem com o mesmo objectivo que é o de estarem em forma. Até aqui é possível apontar os benefícios de ir ao ginásio que, além dos físicos, são também sociais e até psicológicos. Mas é preciso muito mais relativamente a este último aspecto. É preciso que nos trabalhemos psicologicamente. Que nos gimnastiquemos mentalmente. Até porque, como tão bem sabemos, a saúde física e a psicológica estão tão interligadas, estão tão entranhadas que é impossível estar-se bem numa das áreas da saúde se não estivermos bem na outra. Sabemos também que por exemplo a obesidade, que tanto se tenta combater nos ginásios, afecta tanto ou mais a nossa saúde psicológica como a física, e que quase sempre só se inicia o processo de cura quando há também tratamento emocional/psicológico.
O que nos leva à questão essencial: “porque não ginásios mentais?” Ou reformulando: “para quando ginásios mentais?”
 É urgente que se comece a praticar ginástica mental!! O sedentarismo não diz respeito apenas a ficar sentado num sofá. Quase sempre traz com ele a inercia de não se pôr a cabeça a pensar. Lêr um livro, jogar um jogo de tabuleiro, fazer palavras cruzadas ou jogar às cartas parece coisa do seculo passado, literalmente. No entanto, é este tipo de exercícios, entre outros, que impede que surjam dificuldades, ou num estágio mais elevado: perturbações a nível cognitivo. Há doenças inevitáveis, sim. Sabemos que indivíduos que sempre tiveram modos de vida extremamente saudáveis não ficam cem por cento imunes a ficarem doentes. Mas o que é certo é que estatisticamente isso é muito menos provável. Tal como os restantes músculos do corpo que precisam de ser estimulados e trabalhados para potenciarem as suas funções, também o cérebro precisa de ser estimulado e trabalhado para que não se deem atrofios, ou pior: inactividade e perda neuronal. Então vejamos, existem determinados exercícios aparentemente muito simples que estimulam áreas especificas do cérebro: fazer contas ou escrever com caneta e papel são apenas dois pequenos exemplos. Tão simples e importantes para a estimulação do nosso musculo mental, como raros nos dias de hoje. O excesso de informação cansa e diminui a nossa capacidade de concentração e faz com que ao fim de duas linhas de um texto no computador ou telemóvel, desviemos a nossa atenção e demos por concluída a tarefa. O facilitismo da informação toda concentrada num só “lugar virtual” impede-nos de ir à procura em espaços físicos como pesquisar numa biblioteca. Trabalhamos por isso muito menos a nossa capacidade de reflexão, de seleção e de tolerância à frustração, bem como acabamos por nos impedir de descobrir outras coisas paralelas ao nosso objectivo, o que aconteceria se fizéssemos um trabalho não exclusivamente online.
O sedentarismo físico, o mental, a má qualidade da alimentação e o stress são algumas das razões que levam não só à não activação do cérebro de uma forma saudável, mas também propiciam a possibilidade de morte neuronal. Não só de uma forma naturalmente progressiva, mas porque estas mesmas razões potenciam doenças físicas, tais como hipertensão e aumento de risco de acidentes vasculares cerebrais que terão consequências, obrigatoriamente negativas, no saudável funcionamento do nosso cérebro. Então para que serviria um ginásio mental? Como qualquer outro “ginásio físico”, serviria para avaliar o individuo nas suas potencialidades e maiores dificuldades nas mais diversas áreas: memória; atenção; linguagem; percepção ou funções executivas, e através desse diagnóstico prevenir situações de dificuldade ou perturbação cognitiva. Em situações mais graves, trabalharia o individuo de uma forma mais especifica, tal como se faz em situação de personal trainer, no sentido de o estimular e fazer regredir a sua dificuldade. Este treino, tal como o físico, não deve ser adiado. Quanto mais tarde o fizermos, mais nos sujeitamos a perder funções de forma definitiva, ou pelo menos de muito difícil recuperação. Quando se fala de estimulação cognitiva, a maior parte das pessoas associa este tipo de “treino” aos idosos. Façamos então uma pequena reflexão: “Quantas vezes alguém o cumprimentou, sabe que conhece a pessoa mas não se lembra de onde a conhece, ou não se lembra do nome dela, ou não se lembra de ambas? A partir de que idade sentiu necessidade de apontar numa agenda física ou pôr lembretes no telemóvel, porque percebeu que alguns detalhes lhe começavam a escapar? Quantas vezes teve que fazer refresh na sua cabeça de um compromisso importante para não correr o risco de se esquecer? Sabe de cor os números de telefone/telemóvel das três primeiras pessoas a quem ligaria em caso de urgência? “ Depois deste pequeno exercício, acha ou não que seria importante exercitar-se, não só física, mas também psicologicamente?
Sabe-se hoje que não há uma idade limite para nascerem novos neurónios. Mas é essencial que trabalhemos a plasticidade neuronal de modo a permitirmos que esse nascimento aconteça.

"Memories" - Jornal de Notícias