sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Maturidade e Estados de Consciência


Não é raro olharmos para trás e não nos reconhecermos em decisões que outrora tomámos. Por vezes questionamo-nos até: como é que não vi que não era boa ideia ir por ali?!?
Mas o certo é que fomos. O certo é que naquele momento, perante aquela imperatividade de optar, foi de uma forma, que aos olhos de hoje achamos imatura ou despropositada, que escolhemos.
Isto porque, ao contrário do que dizem, as pessoas mudam. Não existe ser humano que fique estático com o passar do tempo e que nada altere cognitivamente, na sua percepção das e sobre as coisas.
O tempo traz vivências, boas e más, que vamos interiorizando e misturando com as outras vivências que já tinhamos tido e, gerimos, melhor ou pior o que nos vai acontecendo. E mesmo quando achamos que tudo está ultrapassado e que conseguimos lidar bem com uma situação, o certo é que, aquilo que acontece a seguir pode mudar inclusivamente o que já estava arrumado.
Podemos dizer “grosso modo” que todos nós temos um lado racional e outro emocional. Podemos também dizer que a dificuldade dos seres humanos sempre foi encontrar o balanço certo entre estas duas vertentes, para que de forma assertiva (racional) e bela (emocional) possamos caminhar de forma equilibrada ao longo da vida.
Não podemos então escamotear algo tão importante como a maturidade e ou a consciência (ou níveis de consciência). Quer isto dizer que: à medida que vamos tendo experiências de vida, o nosso organismo, liderado pelo nosso cérebro, vai armazenando e arrumando as novas informações, sentimentos e emoções inerentes a essa experiência. É como se, dependendo do que aquele acontecimento desperte em cada um de nós, a pessoa que o vive acorde um aspecto do seu cérebro que é o responsável por lidar com aquela emoção, seja ela raiva, alegria ou desilusão. Digamos que activa uma ferramenta, que fica a partir daquele momento activada, fica disponivel para ser usada de maneira mais imediata numa próxima necessidade, numa próxima situação que volte a despertar aquela área do cérebro ou aquela emoção.
Assim, genericamente podemos dizer, que quantas mais ferramentas mentais forem activadas no nosso cérebro, melhor preparados ficamos para lidar com as adversidades e surpresas da vida.
Voltando atrás e reforçando, se sabemos que as nossas ferramentas mentais só são (na sua maioria) activadas através das experiências que as provocam, podemos concluir que quantas mais experiencias vivemos, mais bem preparados estamos para lidar com as seguintes.
Aqui começa o processo da maturidade: experienciar, despertar emoções, geri-las e aperfeiçoa-las.
No entanto há quem tenha ao longo da vida percursos que se repetem e aos quais chamamos de comportamentos padrão. Então quando alguém vive um episódio que lhe desperta uma emoção, aprende a lidar com essa situação, pode inda assim repetir decisões que já sabiam ser erradas? Sim!!
Primeiro porque não basta viver a vida e andar para a frente, achando que ultrapassou tudo, quando grande parte das vezes não ultrapassou nada. Apenas guardou atrás da porta, ou debaixo do tapete como habitualmente se diz e em qualquer um desses casos, à primeira oportunidade, ou seja, à primeira vivência semelhante, não só não a sabe gerir porque não aprendeu a fazê-lo na realidade e apenas ignorou pondo para baixo do tapete, como vai trazer tudo ao de cima, quer isto dizer, vai juntar a situação actual com a anterior e torna a dor ou dificuldade em viver saudavelmente aquele acontecimento, quase impossível de acontecer.
Segundo porque mesmo que tenha aprendido muito com aquele acontecimento que lhe provocou uma emoção dolorosa, as pessoas muitas vezes preparam-se, não para acontecimentos semelhantes, não na reflexão da sua emoção e do que causou aquela dor, mas sim tentam identificar sinais externos, tentam identificar contextos semelhantes de modo a se anteciparem. Daí resultam dois erros, o primeiro é não se terem focado em si mesmas e na análise das suas emoções e depois porque se arriscam a afastar e sabotar todas as situações que tenham um contexto semelhante. Se falarmos de uma relação amorosa por exemplo, da qual uma das pessoas saiu magoada, esta pessoa tem ou deve centrar a sua reflexão na sua dor e no porquê da sua dor para aprender a trabalhar em si o que a magoa e a estar melhor preparada. O que muitas vezes acontece é, ao invés disso, a pessoa se focar em evitar o contexto, ou seja, evitar uma nova relação amorosa.
Falou-se ainda em níveis de consciência. Estes vem arrolados com a maturidade, são como aquelas lentes que nos vão pondo nos óculos-teste dos oftalmologistas em que a cada lente, por norma, vemos melhor e mais nítido. Assim são os níveis de consciência. À medida que o tempo passa vamos vendo mais nítido, e essa nitidez permite-nos ver pormenores que antes não conseguíamos ver. E é por isso que aquilo que agora achamos obvio, na altura em que o fizemos também era, só que era à luz de outros olhos, de outra maturidade, de muito menos experiência e de uma muito menor clareza sobre, quer o aspecto geral, quer sobre os detalhes de cada situação.
É imprescindível que tenhamos esta noção. A noção de que não somos as mesmas pessoas que éramos ontem e que, amanhã já alguma coisa mudou em nós. E que por isso, temos o dever de nos perdoarmos, relativamente às más decisões que no passado tomámos e que nos pareciam as melhores. Tal como é imprescindível percebermos que a maturidade se adquire não só porque o tempo passa, mas sim pelo que fazemos com esse tempo e pelo que fazemos com o que nos acontece.

Sílvia Silva - Psicóloga Clínica