quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Doentes de Amor


Estamos doentes!!
Todos os dias ouvimos e vemos noticias de pessoas que maltratam as outras.
Analisados os casos e excluindo patologias mentais como a psicopatia ou esquizofrenia por exemplo, conclui-se que o historial dessas pessoas tem um impacto enorme nesses acontecimentos agressivos.
Consegue-se justificar essa violência através da existência de um padrão de educação e envolvência, que marca e molda a personalidade e o comportamento futuro.
Justifica, não desculpa!!
Justifica no sentido de se perceber que é dali que advém a estrutura mental desajustada que se revela na dificuldade imensa em lidar com a frustração.
É certo que as dificuldades tornam as pessoas resilientes, grande parte das vezes. Então como se explica que noutras vezes, noutras pessoas, isso não aconteça?
Podemos dizer com base nos estudos que todos, sem excepção, temos uma parte inata e outra adquirida. Considero que a força do que é adquirido através da educação e envolvimento terá a capacidade de minorar ou ampliar o que já nasce connosco. Tal como uma equação: na proporção de quanto mais estimulado, mais desenvolvido.
É extremamente importante perceber o peso da educação na formação do ser humano.
Qualquer um de nós é educador, directa ou indirectamente, através de conselhos ou apenas servindo de modelo a quem nos admira.
Da educação deve fazer parte o amor. Antes, durante e depois de tudo o amor. Um amor sereno, aquele que transmite segurança ao outro, mas que o deixa livre para viver.
Há uns dias ouvi numa entrevista a um escritor a diferenciação que ele faz sobre o que sentimos nas relações. Ele divide esse sentimento entre apego e amor. Apego quando queremos o outro para nós sem admitirmos que essa pessoa seja de outro, de outra ou apenas dela própria. O amor, como o sentimento que nos faz gostar da presença do outro na nossa vida, mas mais que isso, nos faz gostar que o outro seja feliz independentemente da proximidade que tem connosco.
Assim deve ser o amor, o que admira e cuida e protege. O que fica feliz pela felicidade do outro. Sem o prender, sem o impedir de respirar e voar.
E isto serve para relações amorosas, da mesma forma que serve para todas as outras. Inclusivamente, ou sobretudo, para as relações pais-filhos.
Neste tipo de relação: pais-filhos, a responsabilidade dos primeiros é ou deve ser diferente da dos filhos, contrariamente às outras relações em que a responsabilidade e entrega deve ser equiparada.
Então, dentro deste amor (pais-filhos), nunca deve faltar a educação através do exemplo e a assertividade. Indispensável será, sem duvida, delinear limites, mostrar até onde se pode ou não ir, e as respectivas consequências de cada tomada de decisão. Digamos que a nossa casa, o nosso ninho quando crescemos, é o laboratório confortável onde fazemos experiências que nos preparam para a vida “lá fora”, que nos preparam para o mundo. Da mesma forma que o tipo de amor que recebemos e a construção que vamos fazendo dele à medida que crescemos, é o tipo de amor que teremos para dar aos outros nas mais diversas relações: de amizade, amorosas e futuramente no papel de pais.
A importância do NÃO é muita, enormemente maior do que a que habitualmente lhe damos. O não, trabalha o que mais nos estrutura positivamente: a capacidade de lidar com a frustração. Obviamente que isto não significa que os pais devem dizer que não a tudo. Mas é importante que o façam sempre que considerem que o impedimento daquela atividade ou daquele presente não justificado, vai fazer mais bem que mal na elaboração da criança ou jovem do que é a realidade. Mostrar a um filho que tudo é possível, e que ele pode ter o que quiser bastando-lhe para isso pedir, é aberrante e maldoso. Porque a realidade é outra. Pior é mostrar-lhe que se não conseguir de forma educada, pode perfeitamente obter o que deseja bastando-lhe fazer uma birra gigante.
É importante para todos nós percebermos que nem sempre podemos ter tudo o que queremos. E que a vida continua. E que esse desgosto, maior ou menor, se encaixa em nós, é processado e diluído com o tempo.
E perceber que não se pode ter tudo serve também para os relacionamentos amorosos. Para que ao crescermos, não façamos “birras gigantes” maltratando e agredindo o outro.
Basta o outro não nos querer. Basta o outro não nos respeitar. Basta o outro não nos fazer felizes. Temos que deixar ir embora quem não nos ama a ponto de querer ficar.
Ninguém é de ninguém! As pessoas não são objectos e nem sequer todos os objectos nós podemos ter.
E mesmo os objectos, quando os perdemos, não tem que ser grave. E mesmo as pessoas, quando as perdemos, não tem que ser inultrapassável.
Pessoas que não foram amadas, que não foram educadas no amor saudável, a quem não lhes foi transmitido, explicado e demonstrado que não gostarem delas, não faz delas menores ou menos válidas, terão dificuldade em aceitar a rejeição do outro. O desafio é entender que, quando alguém decide terminar ou nem sequer iniciar uma relação, tem sim a ver com a liberdade da outra pessoa não amar da mesma forma ou apenas decidir não querer. Sem esta capacidade de lidar com a frustração, pessoas que tiveram um amor deficitário irão reagir com apego e consequentemente com agressividade e/ou violência. “Se não és meu/minha, não és de mais ninguém!”
Reforço o que já disse: não percebendo que não se trata de um abandono à sua pessoa mas sim um direito que o outro/a tem de tomar decisões sobre a sua vida.
Para aceitar isso, compreender isso, é preciso amar de verdade. Amar com aquele amor que fica feliz por o outro estar bem, independentemente da proximidade que terá connosco. Um amor que não nos diminui se o outro for embora, mas sim que nos engrandece pela experiência do que foi vivido nessa relação.
As pessoas estão doentes porque não foram amadas de verdade e não aprenderam a amar-se para saber amar.